A preocupação com o facto de o planeta onde vivemos poder ter um prazo de validade tem vindo a ganhar dimensão, acentuou-se nos últimos três a quatro anos e já criou raízes no mundo dos negócios.
O tema já era há muito falado, “mas muitas vezes era visto como um luxo. No entanto, hoje é claramente um fator exigido”, diz ao Expresso Eric Van Leuven, diretor-executivo da Cushman & Wakefield em Portugal. Acrescenta que as empresas que não estão a apostar no sustentável e nas suas consequentes certificações “vão claramente ficar no fim da lista, tanto dos utilizadores como dos investidores”.
Pedro Vicente, diretor-executivo da Overseas, empresa de promoção imobiliária, vai mais longe e afirma que “as empresas que não se prepararem vão estar fora do mercado. Não seguir esse caminho é uma sentença de morte”.
Os investidores internacionais estão preocupados em saber da existência de certificados ambientais. E a história contada por Eric Van Leuven ao Expresso confirma esta tendência. Na apresentação de projetos imobiliários as primeiras perguntas são sobre sustentabilidade e só depois sobre o rendimento dos ativos.
Segundo Eric Van Leuven, a indústria da construção é responsável por cerca de 40% da pegada de carbono, por isso é, provavelmente, a área que precisa de uma maior transformação. E de momento, há cada vez mais investidores e consumidores finais que procuram uma construção mais sustentável, seja para habitação, como para escritórios, escolas ou hospitais.
Em Portugal o crescimento de construções identificadas como ‘mais verdes’ e com uma menor pegada ecológica “tem sido bastante significativo nos últimos anos”, segundo Liliana Soares, diretora-geral da GreenLab, uma empresa de consultoria que dá apoio e certificação a projetos ambientalmente mais sustentáveis.
O RETRATO DA CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL
É inquestionável que no imobiliário sustentável cada projeto é diferente, o que significa que os pormenores de construção vão ser ajustados às necessidades específicas e à envolvência do edifício, minimizando o impacte ambiental.
Não existe uma receita. Para Liliana Soares “a arte está em fazer funcionar o projeto, respeitando o máximo de questões de sustentabilidade”, sendo que “o ideal é ter um balanço entre as várias áreas que constituem a sustentabilidade num projeto e, se necessário, ir compensando de uma para outra”. A reutilização de recursos, a reciclagem de materiais no final de vida do edifício, a eliminação de materiais tóxicos e menores consumos e custos de operação em energia e água são aspetos a ter em conta para alcançar os objetivos sustentáveis e podem ser aplicados em construções novas ou de reabilitação.
Dada a preocupação em alcançar a qualidade e conforto do espaço interior, seja acústico, térmico ou luminoso, este tipo de construção acaba por ser mais valorizado no mercado de arrendamento. A qualidade do ar também é superior, o que afeta de forma positiva e direta a saúde dos utilizadores. Para Liliana Soares, a construção sustentável em escolas conduz a uma “melhoria do aproveitamento escolar”, nos hospitais a “uma mais rápida taxa de recuperação” e “menor absentismo em escritórios”.
Os arquitetos de casas sustentáveis têm de se preocupar não só em cumprir o objetivo de construir com menos consumo de recursos e reduzir o impacte ambiental, como também em criar espaços mais saudáveis para quem frequenta os edifícios. Ao Expresso o ateliê de arquitetura Saraiva e Associados disse que os seus profissionais acompanham permanentemente o surgimento de novos materiais e novas técnicas de construção e trabalham para alcançar “uma maior eficiência energética e conforto térmico, tomando em conta políticas públicas e ambientais cada vez mais exigentes”.
Há duas principais políticas públicas a considerar na aplicação de critérios sustentáveis: os indicadores de avaliação Environmental Social and Governance (ESG) e as normativas europeias associadas aos objetivos da Agenda 2030 e à Taxonomia Europeia, que dita seis metas de sustentabilidade a atingir, para que as empresas ou projetos sejam considerados sustentáveis. Embora este tipo de construção verde possa ficar mais caro, “os sistemas de certificação falam de aumentos de custo na ordem dos 1% a 2% para níveis de certificação médios”, explica Liliana Soares.
Porém, parece que este aumento é suficiente para que a procura diminua a grande escala. Segundo Pedro Vicente, “como [em Portugal] se ganha pouco, não há disponibilidade para pagar uma casa mais sustentável”. E isto é transversal a muitas áreas, como optar por materiais reciclados e sustentáveis ou escolher os alimentos de produção biológica.
OS CERTIFICADOS
Atualmente existem vários sistemas de certificações de edifícios sustentáveis. Como sistemas internacionais são utilizados maioritariamente o LEED, BREEAM e WELL (ver caixa), que têm diferentes versões e adaptações, para que seja possível serem utilizados em qualquer parte do mundo.
O BREEAM e o LEED são semelhantes, já que avaliam características como a performance energética num edifício, o seu consumo de água, o tipo de materiais que são utilizados e como é feita a gestão de resíduos. O WELL está mais relacionado com o bem-estar, a qualidade de vida e o conforto dos utilizadores. Esta certificação acaba por ser a mais escolhida em projetos de escritórios, escolas ou hospitais, dada a preocupação com o bem-estar. Para Liliana Soares, “a pandemia evidenciou ainda mais a necessidade de edifícios e espaços que fomentem o bem-estar e a saúde dos seus ocupantes e utilizadores, o que levou a um maior boom em projetos com o objetivo de serem certificados com WELL.”
A avaliação do projeto, para que seja obtido o certificado escolhido pelo cliente, é feita por intermédio de um assessor qualificado, que pode ou não ser obrigatório no sistema em causa. Após ser realizado o processo, as informações são submetidas às entidades detentoras que vão decidir se o certificado final é emitido. O processo é feito por estas duas vias de forma a assegurar a independência e credibilidade de todo o processo de certificação.
A CRISE NÃO DEVERÁ DESACELERAR O MERCADO SUSTENTÁVEL
Eric Van Leuven relembra que na crise que Portugal ultrapassou em 2008, ocorreu uma estagnação ou receção do mercado imobiliário sustentável e perdeu-se a força que estava a ganhar na altura. No entanto está “absolutamente convencido” de que esse cenário não vai ocorrer na atual crise, justificando que “este caminho é agora imparável e vai ser cada vez mais pronunciado”.
Liliana Soares tem a mesma opinião, as questões da sustentabilidade não vão sofrer um grande impacto, mas acredita que “o investimento imobiliário pode desacelerar”.
Para Pedro Vicente, o nível de preocupação ainda não vai ao encontro da “muito alta emergência climática”. Isto porque, “há ainda muito pouca perceção da importância e da relevância da habitação sustentável”, o que significa que tendo em conta o nível de destruição do planeta em termos climáticos, o mercado sustentável imobiliário já devia estar muito mais avançado.
Na opinião do investidor só quando for obrigatório, por lei, cumprir os diferentes parâmetros sustentáveis é que a mudança vai começar a acelerar de forma veemente. Quando questionado sobre qual o tempo esperado para que tal aconteça aponta para cerca de uma década.
Quanto a Portugal, diz que é preciso “deixar a conversa de estar na cauda da Europa, arregaçar as mangas e fazer para que aconteça”, porque não é altura para Portugal se atrasar relativamente aos países europeus.
CERTIFICADOS SUSTENTÁVEIS INTERNACIONAIS
- BREEAM É um sistema de avaliação sustentável internacional. Foi criado no Reino Unido em 1990 e procura avaliar parâmetros como a energia, transporte, água, materiais, ecologia e uso do solo, poluição, lixo, saúde e bem-estar e inovação. Tem cinco níveis diferentes de qualidade de certificação
- LEED É um sistema semelhante ao Breeam. Foi criado nos Estados Unidos e divide-se em quatro níveis de qualidade
- WELL Este sistema foca-se na relação entre o edifício e os ocupantes. Preocupa-se com a saúde humana no ambiente construído e trabalha para melhorar a qualidade do ar, água, alimentação, luz, aptidão física, conforto e mente
Fonte: Expresso
